terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Filme a metro(politano) – II

Uns adolescentes na conversa, utilizando cada um deles um palavrão mais sonante que o anterior, em cada frase proferida, por afirmação perante o grupo e perante a audiência, à custa de ilusão de ausência de consequências.

Umas senhoras de meia-idade, com pronúncia do norte, falando com uma certeza só alcançável por quem nunca se questionou na vida, e ainda bem, a emitirem frases para a banal combinação de um encontro, em que cada palavra é uma ruído estridente para o meu ouvido arrogante. As frases são repetidas meia dúzia de vezes, em ciclos, como se o sucesso do reencontro depende-se da gravação, por ondas sonoras de alta frequência, no cérebro uma da outra, da hora, do local e da palavra "pronto", enquanto tento ler o meu livro. E só mais uma vez, para a despedida.

Uma brasileira de decoote enorme, a quem não fiz a vontade de olhar, além da primeira análise, para os suas características físicas. Não por os meus instinto não o solicitarem mas por naquela situação querer ser do contra, não lhe fazendo a vontade de me controlar por aquele mecanismo primário, preferindo não ter o efémero, imaterilizável, desconfortável e discutível prazer de apreciar a robustez dos atributos. Pus-me a ler o meu livro mas ainda pensei no assunto.

Um gajo que quando não está a ler ou a observar, pensa: "Quantas destas pessoas têm blogues, mandam-me beijos e abraços e aqui estão de cara séria?" e vai revendo mentalmente o que lá leu ou escreveu e, às vezes, até se sente suficientemente confortável (quase como abraçado) para conversar (sozinho), sonhando acordado, no silêncio da multidão, sabendo-se compreendido ou julgando compreender, às vezes.

7 comentários:

  1. É verdade! Já dei por mim a pensar nisso. Lamentavelmente não ando de metro, mas se estivesse bem perto, provavelmente tentaria ver o que estarias a ler, enquanto tentavas ocultar com esse teu ar altivo.
    Ainda que a sorrir, pensaria: "Olha-me o estupido, que não me deixa ver o que está a ler".
    Como vês nem sempre vale a pena sorrir ;)

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  2. Quantas pessoas nos (me) conhecem com sorrisos? E as lágrimas, essas, ficam por aqui num silêncio quebrado, de quando em quando, por comentários de (des)conhecidos? Aqui funde-se a simpatia com a timidez. Por estes lados, fundem-se palavras não ditas no mundo lá fora...Beijinhos.

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  3. O anonimato permite uma certa libertação ( por vezes libertinagem) com a opção de deixarmos libertar sem vergonha o que pensamos, o que sentimos,... o tímido torna-se audaz, o calmo torna-se inquieto, o solitário sente-se acompanhado,...
    Abracinho

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  4. Hoje em dia não ando de metro mas recordo outros tempos em que dava por mim observando os pormenores aqui retratados, e como era bom por vezes sonhar acordada no meio da multidão, principalmente em hora de ponta.
    Bjs

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  5. é surpreendente esse momento em que percebemos que a compreensão/companhia que tão estranhamente descobrimos nos olhos anónimos que nos lêem e nas vozes desconhecidas que nos respondem. e no mínimo irónico essa ideia ocorrer-te no local colectivo onde as individualidades são mais marcadas...

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  6. Disseram muito. Obrigado pelos comentários.

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  7. Mon petit, a Blogos quando chegou ao mundo, vinda do eter dos servidores do Blogger e so Saloon foi apropriada por toda e qualquer criatura que pensava ser a pendactilia requisito unico para deitar faladura. Claro que nao era, e ao fim de uns anos, sendo um velhinho dos tempos dos pannelboards pre-IRC, so posso dizer que quases acabaram os "jantares de blogues" e mesmo as "relacoes dos blogues" e ainda bem. E falsa a ideia que fazemos da maior parte dos bloggers, muitas vezes os seus textos nao sao sustentaveis no face-a-face, sem os favores das gogladas a mao ou ao pe. Alias, o meu afastamento das relacoes virtuais (que no seu boom tomavam quase 100% do meu tempo social) apenas me fez retornar a uma muito necessaria estruturacao de relacoes que muito me faltava pois essas relacoes feitas de copo na mao, tentativa e erro e nao quantas vezes saltos no escuro e confiancas afectivas sao muito mais resistentes ao que chamo efeito botao on/off de quase todas as relacoes nascidas virtualmente, em que as pessoas de repente, por da ca aquele email, desaparecem sem deixar rasto... portanto viva a blogos, agora que se provou nao ser solucao para as ilhas que somos, salvo alguns predadores sexuais timidos. Pena foi o decote. Nas palavras do grande Caio Lucio: se ha mamas e para se apreciar.

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