Quase por acaso, fui ao Museu da Cidade (de Lisboa). Quase por acaso, entrei no Pavilhão Branco. Quase por acaso, fui a uma sala grande onde só estavam alinhadas 5 cadeiras, com uns auscultadores e um folheto em cima de cada uma delas. Coloquei-os, sentei-me virado para uma janela enorme que permitia ver o jardim, os pavões e uma criança a brincar. Identifiquei o som de uns pássaros e da chuva forte e tive um momento de paz.
O trabalho patente na sala descrita foi criado por Nuno da Luz e está relacionado com “ecologia acústica”. Habitualmente, a minha vertente arrogante implica com palavras como projectos, instalações, performances e ainda com a retórica pastilha elástica das descrições dessas montagens, que habitualmente não frequento. A última exposição que recordo, no Museu da Cidade, era composta por umas palavras construídas com milhares de corpos de moscas.
Aquela sala deliciou-me. Permitiu-me ler uma página de um livro, estar em contacto com a natureza através do som e ter o isolamento de (quase) tudo o resto. Estive noutro patamar. A análise daqueles minutos suscita-me referências ao prazer da descoberta de algo completamente inesperado; à raridade dessas ocasiões; à efemeridade da presença das emoções daquele momento, agora já só quase palavras; à dificuldade de o comunicar, verbalmente ou aqui; à tentativa de fazê-lo perdurar; ao regresso à realidade; à improbabilidade de lá voltar e o receio da quase certeza de o resultado ser diferente, perante outras expectativas. Num dos textos do folheto colocado em cima das cadeiras estava uma frase semelhante a “se começar a embrenhar-se na explicação dos sons, feche este livro e simplesmente oiça”.
Há uns anos, quando fiz um breve passeio num vale (Eng-Alm) dos Alpes austríacos, o prestável guarda-florestal da zona referiu que para observar a natureza era preferível andar lentamente e por vezes parar, só para ficar sentado. Nessa altura vamos reparando nos pormenores e a vida vai aparecendo à nossa volta. Tenho poucas dessas contemplações mas realmente agradam-me quando acontecem.