quarta-feira, 10 de março de 2010

Catarse

Das poucas vezes que tenho de interagir com o resto da população indígena anónima, como hoje na fila para carregar o passe do metro, verifico a minha inabilidade para esse tipo de actividade. Enquanto esperava, ia observando uns jovens de boné a juntarem-se, à minha frente, a outros e outras que já lá estavam, a dar o golpe como se estivessem na fila da cantina da faculdade, e uns utentes que ditavam ordens à funcionária do guichet, que tem de aturar aquilo o dia todo, sem proferirem um bom dia, um se faz favor ou um obrigado.

Quando estava quase a ser atendido, cresceu-me um impulso praticamente incontrolável e atirei a um rapaz de vinte e pouco anos à minha frente, não sem antes o ter medido e sentir-me pronto e apto de o espancar em segundos:
- Desculpe, o senhor não está atrás de mim?
E ele, surpreendido:
- Desculpe, tem razão.
E eu, ainda em modo de ataque:
- Acho bem, obrigado.

Esta atitude deve ser resultante de mais alguma patologia, potenciada pelos anos no viveiro com o resto dos bichos. O rapaz, coitado, levou com a hostilidade derivada das minhas frustrações acumuladas e da irritação pelo contexto, numa reacção desproporcionada. As emoções são muito contagiosas e espero que ele tenha capacidade de parar a corrente de ira. Da minha parte, registo a falta de autoconsciência e autocontrolo e também de empatia pelo rapaz que só se juntou na conversa com a rapariga à minha frente.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Ensinamento

Quando era mais novo, a minha avó materna referiu-me a importância de uma prática que tinha e que lhe permitia rentabilizar o tempo e as viagens entre as várias divisões da casa através da execução de diversas tarefas em simultâneo. Podia ser tão simples como aproveitar as deslocações para também transportar loiça ou roupa desarrumadas ou mesmo só ir apanhando o lixo espalhado, este último guardado nos bolsos da bata. Hoje dou por mim a fazer algo parecido e lembro-me dela, quase sempre.

Estou-lhe agradecido por ter tomado conta de mim e pela influência no meu crescimento, quando penso sobre isso. No entanto, o que descrevi anteriormente é diferente, é perceptível, não é bem um hábito, quando acontece é uma invocação, é uma renovação. Uma pequena homenagem. Duvido que me vá esquecer de as ir prestando. A minha avó está viva mas tem a saúde debilitada.