quinta-feira, 8 de abril de 2010

Tabu

Na parte da blogosfera por onde passeio há uns meses, tenho lido sobre uma grande diversidade de assuntos. Partilham-se grandes marcos da vida, acontecimentos do quotidiano, ódios, queixas, elogios, aspectos corporais, notícias, sexo, alegrias, roupa, receitas, factos científicos, política, relações amorosas, familiares, pessoais, laborais e animais. Fala-se de temas íntimos ou públicos para descarregar, registar ou antecipar identificação com alguém que nos leia, em formas explícitas ou encriptadas, em gritos, desabafos, relatos ou explicações, numa abordagem desinibida, favorecida certamente pelo anonimato.

No entanto, há um tópico tabu, apesar de, pelo menos em algumas alturas, também provocar frustrações, ansiedades e desilusões, e também ser traduzível em verborreias. Estou a falar de não se falar na vertente financeira da vida de cada um. O dinheiro não existe. Nada de montantes de vencimento, avenças, aquisições ou dívidas. Ou então aparece é para dizer que aqueles Louboutin de sonho, inalcançáveis, custam €300 ou o preço do gasóleo aumentou outra vez, para €1,179.

Especulo uma caldeirada de justificações para a reserva. Talvez porque o assunto se esgote em si mesmo; é chato; os números favorecem comparações e consequentemente a inveja; é fútil; existe vergonha; é difícil transmitir o contexto laboral; medo de raptos e da criminalidade em geral; pode originar pedinchice; é propiciador de afastamentos, exibicionismo ou miserabilismo; nem os próprios querem pensar no assunto. Enfim, as explicações são inúmeras para este assunto ser considerados ultra-pornográfico, hardcore e ser tratado ao nível dos que parecem colocar em causa a sobrevivência, mesmo a coberto do anonimato.

Vejam lá se não se revêem nas afirmações: a vaca da minha chefe não me aumentou outra vez e fiquei nos €1.200; o Manel faz muito menos do que eu e recebe mais €1.000 só porque é mais velho; nem tenho dinheiro para ir ao cinema; naquela venda de droga ganhei €1.500 e dupliquei o capital investido; este mês recebi €6.700; não sei se o dinheiro chega ao fim do mês; a relação dos vencimentos com o trabalho produzido, por aqui, é completamente aleatória; não quero viver à custa de ninguém; os aumentos anuais são rotativos e alheios ao mérito; o que me safou foi o prémio de €5.000 referente àquele projecto mas mesmo assim é injusto; ganho €5 de comissão por cada cartão de crédito que consigo impingir pelo telefone.

É só. É demasiado sensível. Não tenho mais nada a dizer. Não mexo em dinheiro. Por favor, paguem à minha assistente.

13 comentários:

  1. tu sabes o que são Louboutin ?!?!!!

    (por agora não tenho tempo para fazer um comentário mais sério, e portanto, é isto!)

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  2. Não tenho escolha, entram-me pelo monitor quando se navega nesta blogosfera, em que a distribuição dos géneros está escandalosamente desequilibrada.

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  3. Se serve de consolo, em relação aos Louboutin, eu também só sei o que são porque "entram-me pelo monitor"...
    A questão dinheiro é muito sensível porque ou parecemos uns coitadinhos a queixarmo-nos por termos tão pouco ou uns exibicionistas a apregoar o tanto que ganhamos. E, além disso, há a questão da relatividade: para uns €1000 serão pouco, para outros um ordenado médio, e para outros um sonho que não sabem se algum dia vão alcançar pois, como bem disseste, a sua distribuição não é proporcional ao desempenho, mas muitas vezes completamente aleatória ou outras cíclica e dependente apenas do calendário. Em muitos blogs já se lêem comentários sobre o quão bem alguém tem de ganhar para fazer o que diz no blog, imagine-se se alguém viesse falar em números! Nem a secretária...

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  4. Isso não me surpreende nada, porque mesmo entre amigos, conhecidos, colegas e familiares (não muito próximos) o dinheiro é sempre tabu. São raras as pessoas que gostam de dizer quanto ganham, é normal que também não o digam no blogue.

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  5. Louboutins inalcansáveis a €300?! Escolheste um modelo demasiadamente económico dentro das opções criadas pelo Sr. Christian Louboutin. Empregar a palavra "inalcansável" seria mais apropriado em relação ao modelo "Lady Claude 120 pump" equivalente a mais de 4 ordenados mínimos...

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  6. Goldfish, nos exemplos que apesentei tentei retratar casos em que poderiam existir razões para transcrever para o blog emoções de alegria, congratulação ou frustração mas parece que as motivações não são suficientemente fortes para superar os receios. :)

    Fuschia, há muitos assuntos que não se aborda perante amigos, conhecidos, colegas e familiares mas que se escrevem no blog, a coberto no anonimato. O dinheiro é que não é um desses assuntos. :)

    RDC, “Lady Claude 120 pump” inalcançáveis? Nem pensar! Podes sempre ficar umas semanas sem comer. ;)

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  7. Achei imensa graça a esta sua "interrogação". Eu no meu perfil declaro que vivo de rendimentos, o que está correcto, mas fi-lo por provocação...e já recebi comentários e emails que me têm divertido imenso (até já me têm tentado namoriscar)
    O rendimento que se tem para se viver é muito subjectivo, 1000 euros para uns são uns trocados, para outros dá para viver com algum conforto...
    Tem que se usar o sapato à medida do pé.
    Abracinho

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  8. Não deixa de ser curioso o teu post! nunca me passou pela cabeça meditar sobre esse assunto se bem que ultimamente não me sai da cabeça que quando me reformar provávelmente virei com metade do vencimento...quem me mandou começar a trabalhar cedo?
    E aqui está falei de dinheiro!
    Bjs

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  9. Pois... mas a maioria dos que andam por aqui quer é pôr para trás das costas as amarguras da vida... mas já vi por cá queixumes, pedinchices e o tentar fazer pela vida...
    Pois se é certo que a pobreza de uns é cada vez mais evidente, apesar de se a tentar esconder, a riqueza de outros brada aos céus, é um ROUBO aos que se vêem privados de um salário digno.

    Bjos

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  10. O dinheiro é sempre um assunto mais ou menos tabú, tal como a religião, por exemplo... não se encontram grandes dissertações na blogosfera sobre estes temas. Vá-se lá saber porquê?? :-)

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  11. Hoje paguei 50 euros de gasolina e o recibo de vencimento diz que ganhei menos 200 euros. Viste? Falei em dinheiro! Quanto ao papa, que se fod@! Serve a asneira?
    Quanto aos míseros milhares de visitantes (distribuídos ad eternum por longos e penosos meses) não fazem, como naturalmente deves calcular, grande motivação a um blog que se mantém há 2 anos (que a minha auto-estima já andaria pelas ruas da amargura assim como, sei lá... a imagem do Papa!)

    Beijinhos viperinos

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  12. Aqui na Dinamarca se há assunto tabu, esse assunto é o ordenado. Ninguém fala, ninguém sabe qt o colega do lado ganha e são felizes assim. Suponho que não haverá tanta inveja... Tb a quantidade de impostos que se paga, acabam todos por receber praticamente o mesmo. Mas ninguém fala de dinheiros nem quanto ganha nem quanto gastou.

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  13. maria teresa,
    Poderás sempre responder que te estavas a referir ao Rendimento Social de Inserção. Reparo que ao longo da vida se vão criando hábitos que contribuem para a despesa mensal “fixa”. Imagino que mesmo com os pés descalços haja bons divertimentos. :)

    Lilá(s),
    Depois de assegurado o básico, à semelhança de outros assuntos, as ansiedades financeiras são impostas pelo próprio (para uns já seria bom não ter de pensar no assunto, enquanto que para outros nunca é suficiente). A questão é mesmo definir o que é o básico. Há quem se consiga preencher com o que está disponível sem “custos”. Claro que com outras pessoas dependentes, a equação já tem mais umas variáveis.

    Perla,
    Infelizmente a dignidade e justiça dos não são características presentes nos vencimentos, onde as chamadas leis do mercado (ou outras, conforme os sectores) ditam desequilíbrios.

    Tina,
    Sobre religião ainda vou encontrando reflexões. No entanto, o tema é propiciador de posições extremas, tensões e afastamentos. Quando saiu o Caim, do Saramago, os post proliferaram. Nem eu resisti.

    Viviane,
    Isto está bonito! Mas o que é que te deu? Agora até andas a insultar o Papa no meu blogue.

    Falaste de dinheiro. Está bem. Pois. Pois. Recebeste menos €200. Menos do que quanto? Não me digas. Não quero saber. É demasiado íntimo. Prefiro que insultes o Papa. Já tive de ficar a saber que tens um carro pequeno ou que o teu orçamento não suporta que lhe enchas o depósito completamente.

    Quantos aos míseros milhares de visitantes, referidos num gracejo mal conseguido (pois eu queria dizer milhares de visitantes diários), acho que deves, como qualquer autor de obras alternativas, focares-te na qualidade dos mesmos. Fora de brincadeiras, deverão existir recompensas e presenças, numa frequência insuficiente que "só" atenua o vazio.

    Beijinhos venenosos, para não mudar de letra.

    Lua,
    Bem-vinda. É esse o ponto que tentei explorar. O dinheiro é tabu e mesmo a coberto do anonimato ninguém fala disso. Dizem que uma das melhores medidas de segurança informática que se pode implementar numa empresa é a disponibilização do recibo de ordenado num sistema de autenticação integrada com o acesso (individual) à rede local. Assim já ninguém faculta a sua password aos colegas! (para estes não terem acesso à informação sobre o vencimento).

    Também há excepções, como neste caso em que é referido o saldo da conta no banco.

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