segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Janela

Quase por acaso, fui ao Museu da Cidade (de Lisboa). Quase por acaso, entrei no Pavilhão Branco. Quase por acaso, fui a uma sala grande onde só estavam alinhadas 5 cadeiras, com uns auscultadores e um folheto em cima de cada uma delas. Coloquei-os, sentei-me virado para uma janela enorme que permitia ver o jardim, os pavões e uma criança a brincar. Identifiquei o som de uns pássaros e da chuva forte e tive um momento de paz.

O trabalho patente na sala descrita foi criado por Nuno da Luz e está relacionado com “ecologia acústica”. Habitualmente, a minha vertente arrogante implica com palavras como projectos, instalações, performances e ainda com a retórica pastilha elástica das descrições dessas montagens, que habitualmente não frequento. A última exposição que recordo, no Museu da Cidade, era composta por umas palavras construídas com milhares de corpos de moscas.

Aquela sala deliciou-me. Permitiu-me ler uma página de um livro, estar em contacto com a natureza através do som e ter o isolamento de (quase) tudo o resto. Estive noutro patamar. A análise daqueles minutos suscita-me referências ao prazer da descoberta de algo completamente inesperado; à raridade dessas ocasiões; à efemeridade da presença das emoções daquele momento, agora já só quase palavras; à dificuldade de o comunicar, verbalmente ou aqui; à tentativa de fazê-lo perdurar; ao regresso à realidade; à improbabilidade de lá voltar e o receio da quase certeza de o resultado ser diferente, perante outras expectativas. Num dos textos do folheto colocado em cima das cadeiras estava uma frase semelhante a “se começar a embrenhar-se na explicação dos sons, feche este livro e simplesmente oiça”.

Há uns anos, quando fiz um breve passeio num vale (Eng-Alm) dos Alpes austríacos, o prestável guarda-florestal da zona referiu que para observar a natureza era preferível andar lentamente e por vezes parar, só para ficar sentado. Nessa altura vamos reparando nos pormenores e a vida vai aparecendo à nossa volta. Tenho poucas dessas contemplações mas realmente agradam-me quando acontecem.

8 comentários:

  1. A vida não costuma favorecer essas comtemplações, de tal maneira que acabamos por nos esquecer de lhes prestar atenção quando se proporcionam.

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  2. Costumo fazer um jogo com os meus netos, mandou-os fechar os olhos e tentarem descodificar os sons que lhes chegam. Os resultados são surpreendentes...
    Bj

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  3. Tenho tido o privilégio de ter muitos momentos desses, mas de cada vez que acontecem, maravilho-me com a mesma intensidade. A contemplação, não é um acto em si, nem é proporcionada pela vida...(embora possa ser, pelas circunstâncias),mas uma capacidade, uma competência, que desenvolvemos, ou não... a escolha também é nossa! Não tenha medo de a mesma experiência não se repetir... será outra seguramente, mas pode ser igualmente aprazível :)

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  4. Nesses estados é só de lamentar as interferências exteriores - sonoras e visuais - que nos chamam para a realidade inevitável que é ter de voltar ao rebuliço da cidade e das pessoas...
    Aconselho a voltares.

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  5. a "descoberta de algo inesperado" é de facto das melhores surpresas que a vida nos reserva.

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  6. Uma expereiencia incrivel, excelentemente descrita, muitos parabens. Na actualidade cada vez precisamos mais desses momentos para não enlouquer.

    Parabens pelo blog

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  7. Um termo simples aqui se impõe: parar. Não tanto para ficar parado, mas se calhar até para avançar mais do que realmente, andando! Gostei do post! Ainda não visitei esse museu... deveria "parar" um pouco para ir lá! :)

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  8. Pergunto-me porque será que o efémero de certos momentos nos parece tão mais óbvio quanto mais especial é o que lhe sentimos, e quanto mais inesperados são. Porque, de facto, todos os momentos são efémeros, são finitos, irrepetíveis. E muito poucos são realmente previsíveis. Os momentos não perduram, mas o que nos fazem sentir por vezes entranha-se, e por isso queremos prolongar os momentos e temos ao mesmo tempo medo que a tentativa de repetição os estrague.

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